quinta-feira, 11 de março de 2010

O CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA SOCIOLOGIA

A Sociologia é fruto do seu tempo, um tempo de grandes transformações sociais que trouxeram a necessidade de a sociedade e a ciência serem pensadas. Nesta encruzilhada da ciência, reconhecida como saber legítimo e verdadeiro, a sociedade a clamar mudanças e a absorvê-las, nasceu a Sociologia. Portanto, no auge da modernidade do século XIX surge, na Europa, uma ciência disposta a dar conta das questões sociais, que porta os arroubos da juventude e forja sua pretensa maturidade científica na crueza dos acontecimentos históricos sem muito tempo para digeri-los.



O contexto de nascimento da Sociologia como disciplina científica é marcado pelas consequências de três grandes revoluções: uma política, a Revolução Francesa de 1789; uma social, a Revolução Industrial e uma revolução na ciência, que se firma com o Iluminismo, com sua fé na razão e no progresso da civilização. Esses acontecimentos conjugados – a queda do Antigo Regime e a ascensão da democracia; a industrialização expandida pelas máquinas e a concentração de trabalhadores nas cidades; e a admissão de um método científico propiciado pelo racionalismo – garantem as condições para o desenvolvimento de um pensamento sobre a sociedade. Inicialmente, um pensamento de cunho conservador desenha-se mais como uma forma cultural de concepção do mundo, uma filosofia social preocupada em questionar a gênese da sociedade e a sua evolução.



Da cena política colhem-se manifestações que recompõem a sociedade em outras bases de poder, não sem reações da aristocracia em decadência. No cenário social, a revolução fundamental está no surgimento de uma nova classe social, a dos operários fabris. No âmbito de novas formas de pensar, a revelação como explicação do mundo pela fé e tradição é substituída pela razão. Esse caldo histórico deságua em um pensamento social questionador da mudança na sociedade.



Se, na política, a ascensão da burguesia como a classe empreendedora, incitava formas mais participativas do poder do Estado dominado pelos princípios do Absolutismo, crente da origem divina do poder político na figura do soberano; na esfera da economia, a revolução técnico-produtiva vale-se do crescimento da população, dos bens e serviços e muda a feição do mundo moderno, graças ao processo de acumulação; no plano da ciência, por sua vez, tem-se a consolidação metodológica das ciências naturais com base no modo de pensar do positivismo, o qual toma como verdade científica a descoberta das leis de funcionamento da natureza.



O pano de fundo de tantas mudanças já se apresentava consolidado e responsável por revolver culturas antes preservadas da vaga da modernidade posta na racionalidade que perpassa as ações na política, na economia, na ciência: trata-se do capitalismo, fruto da Revolução Francesa e da Revolução Industrial. Como um sistema de organização da economia assentado sobre relações de propriedade privada dos meios de produção, o capitalismo ultrapassa as fronteiras econômicas, estende seus tentáculos organizativos a todos os setores da sociedade e a molda ao seu ritmo e determinação. Essa dinâmica da nascente sociedade industrial, cuja fonte de riqueza social provinha do trabalho fabril, suscita pensar: por que as sociedades mudam e, ao mesmo tempo, permanecem?



Em verdade, as transformações provocadas nas esferas política, social e cultural da sociedade moderna têm raízes muito próximas e não podem ser imputadas apenas aos acontecimentos externos, uma vez que se tratam de revoluções, movimentos inovadores de longo curso e profundidade nas alterações de comportamentos. Alimentada pelos iluministas, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, é o documento simbólico do mundo moderno e ainda hoje embasa os Estados democráticos. Assolado por crises sociais, o capitalismo liberal confirma os empresários industriais e o proletariado urbano em posições sociais distintas. Em mútua influência, os acontecimentos provocam e são provocados por movimentos nas ideias, nas artes, nos costumes sociais, fazendo com que o Iluminismo, o racionalismo e o positivismo delineassem uma ciência da sociedade, como uma necessidade histórica.



Essa ordenação das ideias está presente no iluminismo que, aspirando à emancipação do homem guiado pelas luzes da razão e a crença no progresso da civilização, caracterizou-se como um movimento filosófico, literário, moral, político, na Europa, a partir de fim do século XVIII. Sua máxima expressão deu-se na França com Descartes (1596-1650), Voltaire (1694-1778), Diderot (1713- 1784), Rousseau (1712-1778), Condorcet (1743-1794), Montesquieu (1689-1755), mas também Bacon (1561-1626), Spinoza (1623-1677) e Locke (1632-1704) estão entre os iluministas. O racionalismo trouxe propostas como o método experimental de Bacon e a contribuição de Descartes com a célebre obra Discurso do Método (1637) para conhecer os fenômenos da natureza física e biológica, principalmente por meio de regras de observação da realidade. Esse padrão no procedimento científico contagiou o pensamento social, inspirado em fórmulas de ação, imprimindo-lhe a necessidade do estudo objetivo regido por regras para a pesquisa. Entre os postulados de conduta do investigador estão: afastar ideias preconcebidas; dividir um problema em partes para melhor conhecê-lo; e deixar-se conduzir pela dúvida metódica para extrair toda a verdade dos fatos.



A filosofia inspirada nos métodos das ciências naturais, que propõe transpô-los como critérios para uma ciência da sociedade, é o positivismo. Ao se deter na observação e experimentação dos fenômenos, o positivismo privilegia os fatos, toma-os como dados, evidências que devem ser perseguidas e demonstradas. Para o positivismo, a unidade orgânica da sociedade era basilar e de caráter moral. A crise do Antigo Regime com a dissolução da ordem estamental da sociedade medieval, provocou um anseio de reconstituição de uma pressuposta harmonia social, de um corpo político organicamente composto, de uma sociedade autoconsciente pensando-se a si mesma sob nova ordem. Saint-Simon (1760-1825) em seu Catecismo dos industriais (1823) generaliza como industriais todos os produtores, enfatiza a difusão social das conquistas científicas e trata a sociedade como objeto de ciência, preconizando o socialismo, segundo Touchard (1970).



Na perspectiva positivista, a ciência ganha um caráter messiânico e é considerada instrumento de intervenção do homem na realidade. A Sociologia, termo empregado pela primeira vez por Auguste Comte (1798-1857), torna-se uma ciência conclusiva e síntese de todo o caminho científico da humanidade, considerada capaz de estruturar a sociedade com o auxílio das demais ciências. Com o livro Curso de Filosofia Positiva (1830-1842), Comte garante-se o título de fundador do positivismo e admite ser a sociedade regida por leis naturais, independentes da ação do homem.



Que ameaça apresentava a sociedade da época para uma forma positivista de conhecimento prevalecer na juventude de uma ciência como a Sociologia? Vivia-se o horizonte cultural da modernidade na extensão da sociedade ocidental e as revoluções mencionadas que a sacudiram. A derrubada das convenções e das crenças, da tradição e dos costumes impôs a modernidade e com ela, o fim dos particularismos e a entrada no universalismo, graças à razão, considera Touraine (1994).



Com o domínio da razão sobre as formas religiosas de explicação do mundo, o período entre os séculos XVI a XIX foi marcado por profundas transformações na concepção do poder político, não mais emanado de Deus, pela reorganização do poder e a constituição dos Estados-nação. Também, a forma de produzir a sobrevivência material da sociedade passou por mudanças, com a destruição da servidão e da organização camponesa, a consequente emigração da população rural para os centros urbanos, a substituição gradativa da atividade artesanal em manufatureira.



Nas grandes indústrias, trabalhadores e empresários estabelecem relações de trabalho mediadas por sindicatos e associações representativas e defesa de diferentes interesses na sociedade.



Todas as mudanças que se processaram, resultaram de desequilíbrios, perturbações, rebeliões, protestos, reformas, conspirações, novas condições de vida para a população e, sobretudo, aqui e ali, o aparecimento de uma consciência social acerca das condições de vida, embora não explícita nem extensiva. Daí, a nostalgia de um tempo de “ordem social” presente no pensamento social conservador e o providencial recurso instrumental da ciência para estabelecer uma “nova ordem social”, que aparece como forma de salvação nos círculos sociais mais apegados à tradição, a balançar diante da inovação social.



Com a missão de prever, prover e intervir na realidade social, a Sociologia faz emergir diferentes faces de um mesmo problema colocado para reflexão e busca de solução pelos primeiros pensadores sociais, – Comte, Durkheim, Weber e Marx.



A Sociologia surgiu, portanto, com os movimentos de afirmação da sociedade industrial e toda a contradição deste processo. Por um lado, estava cercada pela resistência às mudanças, desde os costumes sociais violados até o pensamento conservador e, por outro lado, pela avidez por mudanças posta tanto no comportamento da burguesia empresarial, inovando nas formas de produzir e enriquecer, quanto no pensamento socialista a propor alterações na estrutura da sociedade. Esse conjunto de mudanças seculares “parecia aos contemporâneos um produto do desenvolvimento intelectual do homem, cujo pensamento iluminava os passos da civilização, quando, na verdade, o progresso crescente dos modos de pensar sobre fenômenos cada vez mais complexos – e disso a Sociologia é uma prova – era produto direto das novas maneiras de viver e produzir”, afirma Costa Pinto (1965, p. 37).



A par das condições histórico-sociais que colocaram questões ontológicas da existência e convivência do homem na sociedade moderna, talvez o legado mais notável para o surgimento da Sociologia como ciência, na análise de Florestan Fernandes (1960) tenha sido o alargamento da percepção social além dos limites do sancionado pela tradição, pela Religião ou pela Metafísica. Houve ousadia no pensar e essa transformação básica do horizonte intelectual médio favoreceu ultrapassar o senso comum e incorporar o pensamento racional na formação do ponto de vista sociológico.

Referência bibliográfica:
Diretrizes Curriculares de Sociologia


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